“Admitimos que éramos impotentes perante a
nossa doença e que nossas vidas tinham se tornado
incontroláveis”
Em primeiro lugar precisamos saber o que significa a
nossa doença:
ADICÇÃO: Homem ou mulher que é escravo das drogas ou Álcool.
Nossa incapacidade de controlar o uso de drogas,
Bebidas alcoólicas, alimentos, sexo, etc. Não somos impotentes somente perante
as drogas ou álcool, mas também perante adicção.
Os resultados dessa doença são: Negação,
substituição, desconfiança dos outros, culpa, justificação, vergonha, desleixo
isolação e perda total do controle, degradação, estes são alguns dos resultados
da doença.
Informações adicionais: O QUE NOS LEVA A USAR
DROGAS?
Falta de harmonia no lar.
Falta de objetivos (pessoais profissionais etc.)
Falta de socialização.
Timidez e curiosidade.
Amizades com usuários.
Freqüentar ambientes propícios como, bares,
boates,baladas etc.
Falta de informação, consequências físicas,
mentais, emocionais,sociais e espirituais.
Apresentação
Este trabalho tem como objetivo realizar uma leitura dos três primeiros passos
do programa de 12 passos de Narcóticos Anônimos a partir de um raciocínio
psicodinâmico. Esta proposta foi baseada no interesse de investigar o processo
pelo qual o drogadicto se beneficia deste programa segundo uma coerência
psicodinâmica, ou seja, transformando a linguagem original numa linguagem comum
ao universo psicológico.
A leitura deste trabalho deverá ser iniciada
a partir dos seguintes princípios:
1 - A análise realizada aqui considera que o
drogadicto esteja entrando em contato com o programa pela primeira vez,
2 - Como a proposta do Programa de NA é manter
este processo de recuperação por toda a vida, é sugerida uma leitura que
corresponda á imagem de uma espiral, onde a cada recomeço do programa, novos
recursos e mais eficientes vão sendo adquiridos, possibilitando, assim, um
progressivo amadurecimento egóico.
Para uma melhor compreensão dos argumentos
psicodinâmicos e da evolução de cada Passo, foram inseridas frases contidas no
livro-base de Narcóticos Anônimos (1983) para ratificar e clarificar a idéia
psicodinâmica que se expõe. Estas citações serão literais e serão identificadas
pelas páginas no decorrer do texto. Inicia-se o estudo com a contextualização
do quadro da drogadicção através da exposição de algumas característica
peculiares a este fenômeno seguindo a exposição de cada um dos Passos propostos
pelo Programa.
Introdução
O adicto possui uma debilidade egóica que o torna incapaz de suportar a
depressão, tendo que recorrer a mecanismos maníacos para sua sobrevivência. No
entanto, "a reação maníaca só pode ter êxito com a ajuda das drogas,
porque para a produção da mania se requer certa fortaleza egóica" que o
adicto não tem (ROSENFELD, 1978). A repetição deste movimento com conseqüência
satisfatória (êxito), ou seja, a manutenção de um estado maníaco e anulação
(temporária) da angústia, promove uma debilidade cada vez maior do ego, pois
seu repertório de defesa contra a angustia e a depressão, que já era pobre, vai
se tornando cada vez mais ineficiente quando comparado ao recurso defensivo
externo (droga). Este maior empobrecimento ocorre pelo fato do recurso droga
provocar alívio imediato, não exigir adiamento da gratificação, capacidade de
espera e elaboração de soluções mais eficientes, ou seja, não possibilita que o
ego faça uso de seus recursos mais sofisticados. O que é estimulado, portanto,
é o uso de "mecanismos de defesa de baixo nível" em detrimento a
"mecanismos de defesa de alto nível" descritos por Otto Kernberg
(1976). Os últimos vão ficando cada vez mais escassos na economia psíquica,
promovendo um funcionamento cada vez mais regredido. É acionado, portanto, um
modo de funcionamento primitivo (processo primário), a linguagem (entendida a
linguagem como o modo de expressão no mundo) utilizada é a do princípio do
prazer que, com a sistematização e progressão dos episódios tóxicos vai se
tornando característica de personalidade, modo de funcionamento imperante. O
processo secundário de funcionamento vai se tornando cada vez mais difícil de
ser resgatado.
Percebe-se, portanto, que este processo, é um
processo de escolha narcísica, ou seja, a escolha dele por um "ele
melhor". Exemplificando este argumento com a literatura de NA (1983):
"A parte espiritual de nossa doença é o total egocentrismo" (pág.
22). É a escolha do ego (por identificação projetiva) pelo ego ideal numa
tentativa mágica de incorporação do ego ideal através de um objeto ideal
(droga). Toma a si mesmo, seu próprio corpo (ego ideal) como objeto de amor
(FREUD, 1914). Não há relação de amor com objetos externos. O objeto externo é
usado para um gozo narcísico. Vemos identidade com esta leitura na literatura
de NA (1983) onde se diz: "Nossa doença nos isolava das pessoas, a não ser
quando estávamos obtendo, usando e arranjando maneiras de obter mais"
(pág. 4), ou seja, o outro (como no bebê), era visto como instrumento de uso
para gratificação. A "relação" com o outro era um meio e não um fim
em si mesma. (Poderíamos aqui, pensar o porquê desta regressão a um modo de
funcionamento tão primitivo, recorrendo à teoria de relações de objeto em
Melanie Klein (1945), onde, na relação com o outro o bebê se frustra e,
mediante a incapacidade de lidar com esta frustração, regride a um
funcionamento já conhecido onde a gratificação predominava. No entanto,
refletir sobre a causalidade deste fenômeno nos distanciaria da proposta
inicial. Deixemos, então estas reflexões para um outro momento).
Há, portanto, um progressivo desinvestimento
libidinal dos objetos externos (família, trabalho, etc..) paralelo a um
progressivo investimento libidinal no ego ideal (si mesmo alucinado). Este
estado geral é parecido com o estado do bebê que, nos primeiros meses de vida
reconhece a mãe como uma extensão de seu próprio corpo. A mãe é concebida como
veículo de gratificação e alívio, ou seja, o self materno fortalece o self do
bebê (WINNICOTT, 1964). Proporciona prazer e reduz o desprazer. Não é uma
unidade diferenciada dele e, qualquer evidência do contrário é negada alucinatóriamente
para não causar dor e sofrimento. Identificamos congruência com a literatura de
NA (1983) quando é dito: "Alguns de nós começaram a ver os defeitos da
adicção nas pessoas mais próximas. Dependíamos muito delas para nos arrastarem
pela vida. Sentíamos raiva, frustração e dor quando elas encontravam outros
interesses, amigos e pessoas queridas" (pág. 7). Esta situação é similar a
do bebê. No entanto, este precisa ser "arrastado" por sua evidente
ausência de recursos para sobreviver.
O drogadicto, apesar de possuir recursos físicos
mais desenvolvidos que o bebê que poderiam promover certo grau de
independência, possui recursos emocionais muito parecidos com os de um recém
nascido. Estes recursos precários o paralisam e o tornam dependente da droga na
mesma intensidade em que o bebê é dependente da mãe (que neste período também é
objeto ideal). Podemos lembrar que qualquer psicopatologia que por ventura
venha a se manifestar na vida não é estranha ao aparelho psíquico .Em algum
momento do desenvolvimento psicossexual este funcionamento (hoje
psicopatológico) foi considerado normal (FREUD, 1905; HEIMANN, 1982). Fica
evidente, portanto, que existe um funcionamento com tendência à escravidão e à
submissão que está ligado ao objeto ideal droga, mas poderia estar ligado a
qualquer outro objeto como um dia esteve ligado ao objeto mãe sem ser
considerado patológico. Na literatura de NA (1983) isso fica evidente da
seguinte forma:
"Nossa incapacidade de controlar o uso de
drogas é um sintoma da doença adicção. Não somos impotentes apenas perante as
drogas, mas também perante a adicção". Aqui fica claro
um reconhecimento deste funcionamento precário, com recursos precários.
O bebê ainda não consegue protelar quando sente
dor, angustia e falta. Não tolera minimamente a espera. O bebê utiliza todos os
recursos disponíveis para que esta idéia se sustente (conseguir gratificar-se a
si próprio); por exemplo, quando está com fome e a gratificação não é imediata
(demanda espera), o bebê, levando o dedo à boca alucina auto-suficiência
(capacidade de satisfazer-se a si próprio), negando a dor (fome) e a realidade
(necessidade de espera para gratificação eficiente e necessidade de ajuda na
relação com o outro). Ele ainda não tem recursos egóicos para lidar com a dor e
a realidade, assim como o drogadicto, que não tem recursos egóicos para lidar
com sua dor e sua realidade, tendo também, que alucinar auto-suficiência. No
entanto, esta alucinação só é adquirida e mantida através de um recurso externo
(droga).
Porém, dependendo dos recursos egóicos de cada
bebê e da economia pulsional inata, o princípio de realidade se impõe. Ele
percebe que a dor (fome) não passa, apesar dos recursos utilizados (dedo na
boca) e ele tem que admitir sua impotência em satisfazer-se onipotentemente.
Chegamos, então ao Primeiro Passo:
Primeiro Passo - "Admitimos que éramos impotentes perante a
nossa adicção, que nossas vidas tinham se tornado incontroláveis".
A imposição do princípio de realidade gera um
conflito, e, portanto, uma egodistonia . O que antes era egossintônico: ideal
drogaditivo, através da imposição dolorosa da realidade, tornou-se egodistônico
(KALINA, 1983). A solução dada até então para qualquer forma de angústia e de
dor tornou-se ineficiente (O dedo na boca disfarça a fome apenas por um
período). Devido a condições pulsionais inatas, para alguns, a realidade se
impõe e para outros não (a impotência jamais será sentida se depender de
recursos egóicos próprios, é necessário, nessas situações, uma intervenção
externa - quando, por exemplo, a intervenção terapêutica adequada é uma
internação compulsória). O tratamento só é eficiente quando está inserido um
conflito, ou seja, uma quebra no ideal drogaditivo. Kalina9 explica este
fenômeno da seguinte forma: "O adicto é um ser que pôs em funcionamento a
parte psicótica da personalidade. Não responde à prova da realidade, nem à de
experiência, não tem consciência da doença ou a tem parcialmente (ou melhor,
dissociadamente) e vive de acordo com o delírio, que se converte, assim em sua
própria ideologia de vida. Funciona egossintonicamente com seu delírio
drogaditivo e, por isso, a internação, em regra geral, deveria ser a primeira
medida a ser tomada para tentar sua reabilitação, pois necessitamos criar-lhe
um conflito, uma egodistonia" (KALINA, 1983). No entanto, se considerarmos
as diferenças pessoais de um modo geral e dos drogaditos em particular,
percebemos que, por condições pulsionais inatas ou por recursos egóicos
adquiridos (fixação libidinal em estágios mais avançados do desenvolvimento
psicossexual), alguns reconhecem a realidade e a sua impotência sem necessitar
de intervenções como a internação compulsória, ou seja, o conflito é instalado
por recursos próprios. O programa de NA, portanto, só é capaz de beneficiar
indivíduos que possuem recursos suficientes para reconhecer a realidade
externa.
Na literatura de NA (1983), identificamos a
idéia de conflito da seguinte forma: "Quando dizemos não temos escolha
(inexistência de conflito, apenas um caminho a seguir), mostramos a incapacidade
de parar de usar (...). No entanto, nós temos uma escolha (conflito instalado,
mais de um caminho a seguir) quando paramos de tentar justificar nosso
uso" (pag. 21).
Lembramos, portanto, que o programa de NA propõe
a aquisição de recursos egóicos mais sofisticados e elaborados que vão sendo
adquiridos sistematicamente. A proposta (Primeiro Passo) exige um compromisso
definitivo com a realidade e com o processo secundário de funcionamento:
"Nenhum dos passos trabalha por mágica" (NARCOTICOS ANÔNIMOS, 1983,
pág. 24). Este pode ser considerado o mais importante dos passos por inserir
este compromisso com a realidade externa. Nosso objetivo aqui é fazer uma
leitura psicodinâmica deste processo. A posição esquizo-paranóide, antes
predominante, dá lugar a uma posição depressiva, ou seja, o delírio de amor
narcísico sustentado pela droga, dá lugar a uma ansiedade depressiva
(confluência de amor e ódio pelo mesmo objeto - si mesmo) que é expresso pela
forma de culpa mais arcaica e angustiada devido a sentimentos ambivalentes para
com um objeto (KLEIN, 1982). "Ao nos sentirmos derrotados ficamos
prontos" (NARCÓTICOS ANÔNIMOS, 1983, pág. 21). Apesar de sentir-se
fracassado, está vivo e pretende manter-se assim (predomínio do instinto de
vida). Para que o drogadicto suporte este acumulo de angústia, é necessário que
tenha alguma estrutura egóica adquirida durante seu desenvolvimento. O bebê, em
certo estágio do desenvolvimento, já se acha física e emocionalmente maduro
para integrar suas percepções fragmentadas da mãe, reunindo as versões (imagos)
boas e más.
No entanto, neste Primeiro Passo, o adicto ainda
está num estágio anterior. Ainda está integrando sua própria imagem, suportando
sua ambivalência em relação a si próprio, ainda não considera a existência de
um outro. Está se reconhecendo progressivamente um bebê vulnerável e
desprotegido e, "até abrir mão de todas as restrições, estará colocando em
risco os alicerces de sua recuperação" (NARCÓTICOS ANÔNIMOS, 1983, pág.
22).
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